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O crime e o Estado se retroalimentam

  • Foto do escritor: Lu Sudré
    Lu Sudré
  • 7 de abr. de 2018
  • 4 min de leitura

Segundo Felipe Athayde Lins de Melo, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Ufscar, conflitos entre facções irão se acirrar no norte e nordeste do País


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Por Lu Sudré Caros Amigos

09/01/2017


Uma semana após o Massacre de Manaus, em que 56 presos foram mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM) – vítimas do conflito entre as facções rivais Família do Norte (FDN), ligada ao Comando Vermelho (CV), e Primeiro Comando da Capital (PCC) –, os episódios de violência entre os grupos e seus representantes crescem pelo País. Durante o conflito, com maioria de vítimas pertencentes ao PCC, 184 fugiram.


Cinco dias após a rebelião que iniciou a onda de violência, na última sexta-feira (6), a Penitenciária Agrícola Monte Cristo, em Boa Vista (RR), foi novo palco de barbárie: 33 detentos foram mortos. Já nesta segunda-feira (9), pelo menos quatro pessoas morreram após uma rebelião na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, localizada no centro de Manaus, e mais três corpos foram encontrados nos arredores do Compaj.


As rebeliões são reflexo do rompimento entre o PCC e o CV, em outubro de 2016, e, na

opinião de Felipe Athayde Lins de Melo, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), os conflitos entre as facções se acirrarão, principalmente na região norte e nordeste.


“O PCC tem representação em todos os estados, mas em alguns não tem hegemonia como no estado de São Paulo. Foi o que aconteceu em Manaus. Eles vão reagir. Tenho recebido informações de que outros episódios violentos, de menor porte, já estão acontecendo. Houve mortes na Paraíba, no Acre, e há um tensionamento muito forte em Rondônia, por exemplo”, afirma Lins de Melo em entrevista à Caros Amigos.


Para o pesquisador, o crescimento do PCC – fundado em 1993 no presídio de Taubaté (SP) – é uma questão funcional para o Estado. “O crime administra aquilo que o Estado não dá conta de administrar. Quem administra os espaços das prisões hoje são as facções. O Estado é totalmente ausente no cumprimento da Legislação e é exatamente isso que permite que elas cresçam”, comenta.


O encarceramento em massa e a falta de formação dos trabalhadores penitenciários são outros pontos que o especialista elenca como principais impulsionadores na propagação do crime organizado. O Brasil tem a 4ª maior população de presos do planeta, com 622 mil pessoas, segundo estudo divulgado em 2016 e realizado pelo Ministério da Justiça em parceria com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). De 2000 a 2014, o Brasil ganhou 389.477 presos. Um aumento de 167% na população carcerária do País. Dentre o total de presos, 40% são provisórios, ou seja, ainda não foram julgados e permanecem encarcerados.


Falso discurso


“O sistema brasileiro é um sucesso no que diz respeito à promover a perspectiva de que ‘a violência se combate encarcerando as pessoas’. Isso, obviamente, não gera resultados positivos. A prisão é um fracasso, mas para o Estado é muito cômodo. Ao invés de implementar políticas que demandariam investimento técnico, conhecimentos, alternativas penais e o cumprimento da Legislação, simplesmente se trancam pessoas que serão geridas pelo crime e se propaga o falso discurso de investimento em Segurança Pública”, analisa Lins de Melo. “O crime e o Estado se retroalimentam”, complementa.


O pesquisador ainda aponta que para a própria sociedade o “sentimento de Justiça” está ligado à aprisionar pessoas, o que corrobora com o colapso do sistema carcerário. “Não conseguimos fazer da prisão um espaço democrático. É o espaço do abjeto, do que é rejeitado. Precisamos, primeiramente, parar de prender. Depois, fazer que as prisões sejam espaço de convívio social, abri-las para a participação social e fazer uma inclusão por meio da cultura, do trabalho, da educação. Fazer com que as políticas atravessem as prisões”.


Um exemplo do discurso de ódio e rejeição apontado pelo pesquisador é a declaração do governador do Amazonas, José Melo (Pros), sobre o Massacre de Manaus, episódio com maior números de mortos desde o Massacre do Carandiru. “O que eu sei te dizer é que não tinha nenhum santo (entre as vítimas)”, disse Melo em entrevista coletiva, relativizando o ocorrido.


“Acidente pavoroso”. Foi assim que o presidente em exercício Michel Temer definiu a tragédia ao se manifestar três dias depois do ocorrido.  Em sua fala, ele ressaltou que o presídio de Manaus é privatizado e, por isso, a responsabilidade do governo estadual no episódio não estaria muito "clara" e "objetiva".


Já o ministro da Justiça Alexandre Moraes, anunciou o chamado Plano de Segurança, na última quinta-feira (5), que destina R$ 430 milhões para o sistema penitenciário. Moraes afirmou que serão construídos 5 presídios federais de segurança máxima e declarou: “prendemos muito, mas prendemos mal”.


Tragédia anunciada


Em outubro do ano passado, logo após o rompimento entre o PCC e o CV, dez presos foram mortos na Penitenciária Agrícola Monte Cristo, em Roraima, onde, na última sexta-feira (06), foram mortos 33 presos. De acordo com documentos divulgados nesta segunda-feira (9), na época, o governo do estado pediu ajuda da Força Nacional ao Ministério da Justiça devido ao descontrole do sistema penitenciário na região, mas o pedido foi negado.


Para Lins de Melo, a resposta do Estado tem sido insatisfatória. “Temos um ministro totalmente despreparado pra lidar com a situação. A ideia de construção de novos presídios federais é um engodo, uma enganação. Presídio federal era pra ser exceção, para pessoas identificadas como comandantes  e líderes de facções. Quando se anuncia a criação de novos presídios federais, se transforma a exceção em regra. Se afirma que a resposta que será dada pra violência é apenas a prisão”, ressalta, mencionando a liberação de verba do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para este fim.


Alexandre Moraes, amplamente criticado pelos movimentos sociais, ainda em 2015, constava no Tribunal de Justiça de São Paulo como advogado de processos da área civil da Transcooper, cooperativa que, segundo investigações, está envolvida em denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro esquematizadas pelo PCC.


O modelo de “segurança” implementado por Moraes, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, também é criticado pelo pesquisador. “Ele vem de uma trajetória paulista em que se construiu muitas prisões, relegando à própria população prisional a gestão do espaço. É o estado que mais encarcera e que não resolve nenhum problema de violência, pelo contrário. O estado de São Paulo criou o PCC. Querem federalizar o modelo paulista”, alerta Lins de Melo. “O Estado precisa assumir seu papel, identificar as pessoas e saber quais são as suas demandas, cumprir seu dever. Quem faz isso hoje, infelizmente, é o crime”, finaliza.

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